OS TIPOS DE CONHECIMENTO HUMANO


No processo de apreensão da realidade do objeto, o sujeito cognoscente pode penetrar em todas as esferas do conhecimento: ao estudar o homem, por exemplo, pode-se tirar uma série de conclusões sobre a sua atuação na sociedade, baseada no senso comum ou na experiência cotidiana; pode-se analisá-lo como um ser biológico, verificando através de investigação experimental, as relações existentes entre determinados orgãos e suas funções; pode-se questioná-lo qunato à sua origem e destino, assim como quanto à sua liberdade; finalmente, pode-se observá-lo como ser criado pela divindade, à sua imagem e semelhança, e meditar sobre o que dele dizem os textos sagrados.

Apesar da separação metodológica entre os tipos de conhecimento popular, filosófico, religioso e científico, estas formas de conhecimento podem coexistir na mesma pessoa: um cientista, voltado, por exemplo, ao estudo da física, pode ser crente praticante de determinada religião, estar filiado a um sistema filosófico e, em muitos aspectos de sua vida cotidiana, agir segundo conhecimentos provenientes do senso comum.

Para melhor entender cada um desses tipos de conhecimento, vamos inicilamente traçar um paralelo entre o conhecimento científico e o conhecimento popular, para depois sinteticamente identificar o que caracteriza cada um deles.

 O conhecimento científico e outros tipos de conhecimento



Ao se falar em conhecimento científico, o primeiro passo consiste em diferenciá-lo de outros tipos de conhecimentos existentes. Para tal, analisemos uma situação muito presente no nosso cotidiano.

O parto no âmbito popular e o parto no âmbito da ciência da medicina.

Tipos de conhecimentos que encontram-se mesclados neste exemplo:

Empírico, popular, vulgar, transmitido de geração em geração por meio da educação informal e baseado na imitação e na experiência pessoal.

Científico, conhecimento obtido de modo racional, conduzido por meio de procedimentos científicos. Visa explicar "por que" e "como" os fenômenos ocorrem.

 

Correlação entre Conhecimento Popular e Conhecimento Científico

 

O conhecimento vulgar ou popular, também chamado de senso comum, não se distingue do conhecimento nem pela veracidade, nem pela natureza do objeto conhecido. O que diferencia é a FORMA, O MODO OU O MÉTODO E OS INSTRUMENTOS DO CONHECER.

Aspectos a considerar:

A ciência não é o único caminho de acesso ao conhecimento e à verdade.

Um objeto ou um fenômeno podem ser matéria de observação tanto para o cientista quanto para o homem comum. O que leva um ao conhecimento científico e outro ao vulgar ou popular é a forma de observação.

Tanto o "bom senso", quanto a "ciência" almejam ser racionais e objetivos.

 

Características do Conhecimento Popular

 

Se o "bom senso", apesar de sua aspiração à racionalidade e objetivo, só consegue atingir essa condição de forma muito limitada, pode-se dizer que o conhecimento vulgar, popular, latu sensu, é o modo comum , corrente e espontâneo de conhecer, que se adquire no trato direto com as coisas e os seres humanos.

"É o saber que preenche a nossa vida diária e que se possui sem o haver procurado ou estudado, sem a aplicação de um método e sem se haver refletido sobre algo". (Babini, 1957:21).

 

Verificamos que o conhecimento científico diferencia-se do popular muito mais no que se refere ao seu contexto metodológico do que propriamente ao seu conteúdo. Essa diferença ocorre também em relação aos conhecimentos filosóficos e religioso (teológico).

Apresentamos abaixo, em linhas gerais, as características principais dos quatro tipos de conhecimento: popular, filosófico, teológico e cinetífico.

 

CONHECIMENTO POPULAR


Superficial - conforma-se com a aparência, com aquilo que se pode comprovar simplesmente estando junto das coisas.


Sensitivo - referente a vivências, estados de ânimo e emoções da vida diária.


Subjetivo - é o próprio sujeito que organiza suas experiências e conhecimentos.


Assistemático - a organização da experiência não visa a uma sistematização das idéais, nem da forma de adquirí-las nem na tentativa de validá-las.


Acrítico - verdadeiros ou não, a pretensão de que esses conhecimentos o sejam não se manifesta sempre de uma forma crítica.

 






CONHECIMENTO FILOSÓFICO

 

Valorativo - seu ponto de partida consiste em hipóteses, que não poderão ser submetidas à observação. As hipóteses filosóficas baseiam-se na experiência e não na experimentação.


Não verificável - os enunciados das hipóteses filosóficas não podem ser confirmados nem refutados.


Racional - consiste num conjunto de enunciados logicamente correlacionados.


Sistemático - suas hipóteses e enunciados visam a uma representação coerente da realidade estudada, numa tentativa de apreendê-la em sua totalidade.


Infalível e exato - suas hipóteses e postulados não são submetidos ao decisivo teste da observação, experimentação.


A filosofia encontra-se sempre à procura do que é mais geral, interessando-se pela formulação de uma concepção unificada e unificante do universo. Para tanto, procura responder às grandes indagações do espírito humano, buscando até leis mais universais que englobem e harmonizem as conclusões da ciência.

 

CONHECIMENTO RELIGIOSO OU TEOLÓGICO

 

Apoia-se em doutrinas que contêm proposições sagradas, valorativas, por terem sido reveladas pelo sobrenatural, inspiracional e, por esse motivo, tais verdades são consideradas infalíveis, indiscutíveis e exatas. É um conhecimento sistemático do mundo (origem, significado, finalidade e destino) como obra de um criador divino. Suas evidências não são verificadas. Está sempre implícita uma atidude de fé perante um conhecimento revelado.

O conhecimento religioso ou teológico parte do pricípio de que as verdades tratadas são infalíveis e indiscutíveis, por consistirem em revelações da divindade, do sobrenatural.


CONHECIMENTO CIENTÍFICO

 

Real, factual - lida com ocorrências, fatos, isto é, toda forma de existência que se manifesta de algum modo.


Contingente - suas proposições ou hipóteses têm a sua veracidade ou falsidade conhecida através da experimentação e não pela razão, como ocorre no conhecimento filosófico.


Sistemático - saber ordenado logicamente, formando um sistema de idéias (teoria) e não conhecimentos dispersos e desconexos.


Verificável - as hipóteses que não podem ser comprovadas não pertencem ao âmbito da ciência.


Falível - em virtude de não ser definitivo, absoluto ou final.


Aproximadamente exato - novas proposições e o desenvolvimento de novas técnicas podem reformular o acervo de teoria existente.

 

 

MÉTODOS CIENTÍFICOS

 

Todas as ciências caracterizam-se pela utilização de métodos científicos; em contrapartida, nem todos os ramos de estudo que empregam estes métodos são ciências. Dessas afirmações podemos concluir que a utilização de métodos científicos não é da alçada exclusiva da ciência, mas não há ciência sem o emprego de métodos científicos.

 

Conceitos de método

 

"Caminho pelo qual se chega a determinado resultado, ainda que esse caminho não tenha sido fixado de antemão de modo refletido e deliberado". (Hegenberg, 1976:II-115)1.

 

"Forma de selecionar técnicas e avaliar alternativas para ação científica". (Ackoff In: Hegenberg, 1976:II-116)2.

 

"Forma ordenada de proceder ao longo de um caminho". (Trujillo, 1974:24)3

 

"Ordem que se deve impor aos diferentes processos necessários para atingir um fim dado". (Jolivet, 1979:71)4.

 

"Conjuntos de processos que o espírito humano deve empregar na investigação e demonstração da verdade". (Cervo e Bervian, 1978:17)5.

 

"Caracteriza-se por ajudar a compreender, no sentido mais amplo, não os resultados da investigação científica, mas o próprio processo de investigação". (Kaplan In: Grawitz, 1975:I-18)6.

 

Desenvolvimento histórico do método


A preocupação em descobrir e, portanto, explicar a natureza vem desde os primórdios da humanidade, quando as duas principais questões referiam-se às forças da natureza, a cuja mercê viviam os homens, e à morte. O conhecimento mítico voltou-se à explicação desses fenômenos, atribuindo-os a entidades de caráter sobrenatural. A verdade era impregnada de noções supra-humanas e a explicação fundamentava-se em motivações humanas, atribuídas a "forças" e potências sobrenaturais.

 

À medida que o conhecimento religioso se voltou, também, para a explicação dos fenômenos da natureza e do caráter transcendental da morte, como fundamento de suas concepções, a verdade revestiu-se do caráter dogmático, baseada em revelações da divindade. É a tentativa de explicar os acontecimentos através de causas primeiras, os deuses, sendo o acesso dos homens ao conhecimento derivado da inspiração divina. O caráter sagrado das leis, da verdade, do conhecimento, como explicações sobre o homem e o universo, determina uma aceitação sem crítica dos mesmos, deslocando o foco das atenções para a explicação da natureza da divindade.

 

O conhecimento filosófico, por sua vez, parte para a investigação racional na tentativa de captar a essência imutável do real, através da compreensão da forma e das leis da natureza.

 

O senso comum, aliado à explicação religiosa e ao conhecimento filosófico, orientou as preocupações do homem com o universo. Somente no século XVI é que se iniciou uma linha de pensamento que propunha encontrar um conhecimento embasado em maiores garantias, na procura do real. Não se buscam mais as causas absolutas ou a natureza íntima das coisas; ao contrário, procuram-se compreender as relações entre elas, assim como a explicaçào dos acontecimentos, através da observação científica, aliada ao raciocínio.

Da mesma forma que o conhecimento se desenvolveu, o método, a sistematização de atividades, também sofreu transformações. O pioneiro a tratar do assunto, no âmbito do conhecimento científico, foi Galileu Galilei, primeiro teórico do método experimental. discordando dos seguidores do filósofo Aristóteles, considera que o conhecimento da essência íntima das substâncias individuais deve ser substituído, como objetivo das investigações, pelo conhecimento das leis que presidem os fenômenos. As ciência, para Galileu, não têm, como principal foco de preocupações, a qualidade, mas as relações quantitativas. Seu método pode ser descrito como indução experimental, chegando-se a uma lei geral através de da observação de certo número de casos particulares.


Os principais passos de seu método podem ser assim expostos: 


observação dos fenômenos;

análise dos elementos constitutivos desses fenômenos, com a finalidade de estabelecer relações quantitativas entre eles; 

indução de certo número de hipóteses;

verificação das hipóteses aventadas por intermédio de experiências; 

generalização do resultado das experiências para casos similares; 

confirmação das hipóteses, obtendo-se, a partir delas, leis gerais.

 

Contemporâneo de Galileu, Francis Bacon também partiu da crítica a Aristóteles, por considerar que o processo de abstração e o silogismo (dedução formal que, partindo de duas proposições, denominadas premissas, delas retira uma terceira, nelas logicamente implicadas, chamada conclusão) não propiciam um conhecimento completo do universo. 

Parte do pressuposto de que o conhecimento científico é o único caminho seguro para a verdade dos fatos, devendo seguir os seguintes passos: 


- experimentação

- formulação de hipóteses; 

- repetição;

- testagem das hipóteses, formulação de generalizações e leis;

 

Ao lado de Galileu e Bacon, no mesmo século, surge Descartes. Com sua obra, Discurso do Método, afasta-se dos processos indutivos, originando o método dedutivo. Para ele, chega-se à certeza através da razão, princípio absoluto do conhecimento humano.


Postula, então, quatro regras: 

evidência, que diz para não acolher jamais como verdadeira uma coisa que não se reconheça evidentemente como tal, isto é, evitar a precipitação e o preconceito e não incluir juízos, senão aquilo que se apresenta com tal clareza ao espírito que torne impossível a dúvida; 

análise, que consiste em dividir cada uma das dificuldades em tantas partes quantas necessárias para melhor resolvê-las, ou seja, o processo que permite a decomposição do todo em suas partes constitutivas, indo sempre do mais para o menos complexo; 

síntese, entendida como o processo que leva à reconstituição do todo, previamente decomposto pela análise, consistindo em conduzir ordenadamente os pensamentos, principiando com os objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, em seguida, pouco a pouco, até o conhecimento dos objetos que não se disponham, de forma natural, em seqüências de complexidade crescente; 

enumeração, que consiste em realizar sempre enumerações tão cuidadosas e revisões tão gerais que se possa ter certeza de nada haver omitido.

 

Com o passar do tempo, muitas outras visões foram sendo incorporadas aos métodos existentes, fazendo com que surgissem também outros métodos, como veremos adiante. Antes, porém, cabe apresentar o conceito de mátodo moderno, independente do tipo. Para tal, será considerado que o método científico é a teoria da investigação e que esta alcança seus objetivos, de froma científica, quando cumpre ou se propõe a cumprir as seguintes etapas:


Descobrimento do problema - ou lacuna, num conjunto de acontecimentos. Se o problema não estiver enunciado com clareza, passa-se à etapa seguinte; se estiver, passa-se à subseqüente;

Colocação precisa do problema - ou ainda, a recolocação de um velho problema à luz de novos conhecimentos (empíricos ou teóricos, substantivos ou metodológicos);


Procura de conhecimentos ou instrumentos relevantes ao problema - ou seja, exame do conhecido para tentar resolver o problema;


Tentativa de solução do problema com auxílio dos meios identificados - se a tentativa resultar inútil, passa-se para a etapa seguinte, em caso contrário, à subseqüente;


Invenção de novas idéias - hipóteses, teorias ou técnicas ou produção de novos dados empíricos que rpometam resolver o problema;


Obtenção de uma solução - exata ou aproximada do problema, com o auxílio do instrumental conceitual ou empírico disponível;


Investigação das conseqüências da solução obtida - em se tratando de uma teoria, é a busca de prognósticos que possam ser feitos com seu auxílio. Em se tratando de novos dados, é o exame das conseqüências que possam ter para as teorias relevantes;


Prova ou comprovação da solução - confronto da solução com atotalidade das teorias e da informaçào empírica pertinente. Se o resultado é satisfatório, a pesquisa é dada como concluída, até novo aviso. Do contrário, passa-se para a etapa seguinte;


Correção das hipóteses, teorias, procedimentos ou dados empregados na obtenção da solução incorreta - esse é, naturalmente, o começo de um novo ciclo de investigação.

 

Métodos específicos das Ciências Sociais


A maioria dos autores faz distinção entre "método"e "métodos", porém, se de um lado a diferença ainda não ficou clara, de outro, continua-se utilizando o termo "método" para tudo.

Como uma contribuição às tentativas de fazer distinção entre os dois termos, diríamos que o "método"se caracteriza por uma abordagem mais ampla, em um nível de abstração mais elevado, dos fenômenos da natureza e da sociedade. Assim, teríamos, em primeiro lugar, o método de abordagem assim discriminado:


Método Indutivo- cuja aproximação dos fenômenos caminha geralmente para planos cada vez mais abrangentes, indo das constatações mais particulares às leis e teorias (conexão ascendente);

Método Dedutivo - que, partindo das teorias e leis, na maioria das vezes predia a ocorrência dos fenômenos particulares (conexão descendente);

Método Hipotético-dedutivo - que se inicia por uma percepção de uma lacuna nos conhecimentos, acerca da qual formula hipóteses e, pelo processo de inferência dedutiva, testa a predição da ocorrência de fenômenos abrangidos pela hipótese.

Método dialético - que penetra  o mundo dos fenômenos, através de sua ação recíproca, da contradição inerente ao fenômeno e da mudança dialética que ocorre na natureza e na sociedade.

Por sua vez, os "métodos de procedimento" seriam etapas mais concretas da investigação, com finalidade menos abstarta e mais restrita em termos de explicação geral dos fenômenos. Dir-se-ia até serem técnicas que, pelo uso mais abrangente, se erigiram em métodos. Pressupõem uma atitude concreta em relação ao fenômeno e estão limitadas a um domínio particular. São as que veremos a seguir, na área restrita das ciências sociais, em que gerlamente são utilizados vários, concomitantemente.

Método Histórico - consiste em investigar acontecimentos, processos e intituições do passado para verificar a sua influência na sociedade de hoje. Para melhor compreender o papel que atualmente desempenham na sociedade, remonta aos períodos de sua formação e de suas modificações;

Método Comparativo - é utilizado tanto para comparações de grupos no presente, no passado, ou entre os atuais e os do passado, quanto entre sociedades de iguais ou de diferentes estágios de desenvolvimento;

Método Monográfico - consiste no estudo de determinados indivíduos, profissões, instituições, condições, grupos ou comunidades, com a finalidade de obter generalizações;

Método Estatístico - significa a redução de fenômenos sociológicos, políticos, econ6omicos etc, em termos quantitativos. A manipulação estatística permite comprovar as relações dos fenômenos entre si, e obter generalizações sobre sua natureza, ocorrência ou significado;

Método Tipológico - apresenta certas semelhanças com o método comparativo. Ao comparar fenômenos sociais complexos, o pesquisador cria tipos ou modelos ideais (que não existam de fato na sociedade), construídos a partir da análise de aspectos essenciais do fenômeno;

Método Funcionalista -  é a rigor mais um método de interpretação do que de investigação. Estuda a sociedade do ponto de vista da função de suas unidades, isto é, como um sistema organizado de atividades;

Método Estruturalista - o método parte da investigação de um fenômeno concreto, eleva-se, a seguir, ao nível abstrato, por intermédio da construção de um modelo que represente o objeto de estudo, retomando por fim ao concreto, dessa vez como uma realidade estruturada e relacionada com a experiência do sujeito social.

 

 

Bibliografia de Apoio

 

BUNGE, Mario. Epistemologia: curso de atualização. São Paulo: T. A. Queiroz/EDUSP, 1980, capítulo 2.

 

HEGENBERG, Leônidas. Explicações científicas: introdução à filosofia da ciência. São Paulo: E.P.U. EDUSP, 1973, segunda parte, capítulo 5.

 

LAKATOS, Eva Maria & MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia Científica. São Paulo: Editora Atlas, 1991.

 

 

#UNIDADE 02. O ar em movimento

Todos sabemos que o vento é o ar em movimento, mas movimento horizontal. O que muitos não sabem é que o Sol é o grande responsável pela existência dos ventos. Desta maneira, podemos afirmar que o vento é o movimento do ar sobre a superfície terrestre, resultado de um aquecimento desigual da atmosfera pelo Sol.

As radiações solares esquentam a superfície da Terra, que por sua vez esquenta o ar que a rodeia, fazendo-o dilatar-se. Ao dilatar-se, fica mais leve e sobe, deixando em seu lugar o ar mais frio que é mais pesado. O ar quente que sobe esfria e volta a Terra, substituindo o ar quente. É esse vaivém das massas de ar que forma o vento.

A circulação de ar quente e frio em sentidos opostos forma a chamada corrente de convecção, que ocorre sempre que, em um ambiente, existe um local com diferença de temperatura em relação ao restante. Através das correntes de convecção podemos explicar alguns padrões de comportamento dos ventos em determinadas regiões de nosso planeta, como por exemplo, as chamadas brisas marítimas e terrestres.

Brisa marítima x brisa terrestre

Sobre grandes porções de água - como oceanos e lagos - boa parte da energia que incide durante o dia é absorvida pela água ou envolvida no processo de evaporação, de modo que o ar que as encobre permanece relativamente frio; já o ar circundante é mais aquecido, devido ao calor refletido pela terra e sobe, fazendo com que a massa de ar frio ocupe seu lugar.

Desta forma, durante o dia o vento tende a soprar da água para a terra. Este fenômeno é chamado de brisa marítima. Durante a noite, a situação se inverte. Como a água mantém por mais tempo a energia calorífica recebida, o ar sobre ela mantém-se mais quente que o ar sobre a terra e, assim, a tendência do vento é soprar da terra para a água. Este fenômeno é chamado de brisa terrestre.

Em regiões montanhosas também existe um padrão característi
co de ventos, senão vejamos: durante o dia, as encostas são mais aquecidas do que as regiões mais baixas, de forma que o vento tende a soprar em sentido ascendente. À noite, a direção dos ventos tende a mudar, já que as regiões mais altas perdem calor mais depressa.

 Observe nas figuras o processo de formação dos ventos no litoral e em zonas montanhosas, (a) durante o dia; (b) durante a noite.


Relação entre a pressão atmosférica e os ventos

Quando o ar é aquecido, torna-se menos denso, causando diminuição da pressão atmosférica e determinando uma zona de baixa pressão. O ar frio determina uma zona de alta pressão e provoca a subida do ar quente na atmosfera. Desta maneira, forma-se uma corrente ascendente ou corrente térmica. Este tipo de corrente é fundamental para o voo dos pássaros, para os esportes radicais - asa delta, parapentes e planadores - e outras utilidades.

Diante do que já estudamos, podemos entender agora, como se forma os ventos numa escala global. O planeta Terra não é aquecido de forma uniforme, sendo que as regiões mais próximas ao Equador, por receberem mais diretamente as radiações solares, são mais quentes do que as regiões mais próximas do Polo Norte e do Polo Sul.

O ar das regiões próximas ao Equador é quente e determina uma zona de baixa pressão atmosférica, enquanto nos polos a pressão atmosférica é maior. O vento surge quando o ar se movimenta de uma região de alta pressão para uma região de baixa pressão.

Cada hemisfério têm três padrões de vento: os polares, os de oeste e os alísios. As correntes de vento formam-se em direções opostas no Hemisfério Norte e no Hemisfério Sul. Os ventos se deslocam ligeiramente voltados para leste ou para oeste, devido ao movimento de rotação da Terra.


Ventos constantes

Alísios: são ventos que sopram constantemente dos trópicos para o Equador e que por serem muitos úmidos, provocam chuvas nesses arredores onde ocorre o encontro desses ventos. Por isso, a zona equatorial é a região das calmarias equatoriais chuvosas.

Contra-alísios: são ventos secos, responsáveis pelas calmarias tropicais secas. Sopram do Equador para os trópicos, em altitudes elevadas.


Ventos Periódicos

Monções: São os ventos que, durante o verão, sopram do Índico para a Ásia Meridional e durante o inverno, sopram da Ásia Meridional para o oceano Índico. As monções são classificadas da seguinte forma:

Monções Marítima: são ventos que se deslocam do oceano Índico para o continente e provocam fortes chuvas na Ásia Meridional, causando enchentes e inundações.

Monções Continental: sopram do continente para o Oceano Índico provocando secas no sul da Ásia.

Brisas: são ventos repetitivos que sopram do mar para o continente durante o dia e do continente para o mar durante a noite.


Ventos locais e variáveis

O vento local se desloca numa certa região em determinadas épocas. No Brasil, um bom exemplo de vento local é o Noroeste, massa de ar que, saindo do Amazonas, alcança o Estado de São Paulo entre agosto e outubro. No deserto do Saara, ocorre um vento extremamente forte conhecido como simum, que provoca enormes tempestades de areia. Já os ventos variáveis são massas de ar irregulares que varrem uma determinada área de maneira inesperada.

 

Ventos Perigosos

Ciclone: caracteriza-se por uma tempestade violenta que ocorre em regiões tropicais ou subtropicais, produzida por grandes massas de ar em alta velocidade de rotação. Os ventos de um ciclone podem superar 50km/h.

Furacão: caracteriza-se por um vento circular forte, com velocidade igual ou superior a 108km/h. Os furacões são os ciclones que surgem no mar do Caribe (oceano Atlântico) ou nos EUA. Os ventos precisam ter mais de 119km/h para uma tempestade ser considerada um furacão. Giram no sentido horário (no hemisfério Sul) ou anti-horário (no hemisfério Norte) e medem de 200km a 400km de diâmetro. Sua curva se assemelha a uma parábola.

Tufão: são ciclones formados no sul da Ásia e na parte ocidental do oceano Índico, entre julho e outubro. É o mesmo que furacão, só que na região equatorial do Oceano Pacífico. Os tufões surgem no mar da China e atingem o leste asiático.

Tornado: é o mais forte dos fenômenos meteorológicos, menor e mais intenso que os demais tipos de ciclone. Com alto poder de destruição, atinge até 490km/h de velocidade no centro do cone. Produz fortes redemoinhos e eleva poeira. Forma-se entre 10 e 30 minutos e tem, no máximo, 10km de diâmetro. O tornado é menor e em geral mais breve do que o furacão, e ocorre em zonas temperadas do Hemisfério Norte.

Vendaval: vento forte com um grande poder de destruição, que chega a atingir até 150km/h. Ocorre geralmente de madrugada e sua duração pode ser de até cinco horas.

Willy-willy: nome que os ciclones recebem na Austrália e demais países do sul da Oceania.

#UNIDADE 02. A ATMOSFERA

1. A ATMOSFERA

A atmosfera terrestre é a camada gasosa que envolve a Terra e se estende por centenas de quilômetros. Os limites inferiores da atmosfera são representados pela superfície da crosta terrestre e dos oceanos. No entanto, os limites superiores não são bem definidos devido às variações de altitude.


A ATMOSFERA PRIMITIVA X ATMOSFERA ATUAL


A atmosfera atual é muito diferente daquela que se formou com nosso planeta há 4,6 bilhões de anos. Nesta época, a Terra, não era nada mais do que uma bola de rocha derretida cercada por uma atmosfera de hidrogênio e hélio. Ao longo de bilhões de anos de evolução, a Terra se resfriou o suficiente para formar uma sólida crosta coberta com ativos vulcões. Esses vulcões expeliam uma grande quantidade de gases, como vapor de água, dióxido de carbono e amônia. Com o decorrer do tempo, a luz do Sol quebrou as moléculas de amônia liberadas pelos vulcões, tendo como consequência a formação de nitrogênio na atmosfera. 

Apesar dessa mudança química na composição gasosa da atmosfera, o que mais causou uma alteração radical na atmosfera terrestre, foi sem dúvida, a surgimento das cianobactérias, seres fotossintetizantes, capazes de utilizar a energia do Sol transformando em energia química, através da fotossíntese. Nesse processo, ocorre a utilização do gás carbônico (CO2) e a liberação do gás oxigênio (O2).

Em apenas algumas centenas de milhões de anos, esta bactéria mudou completamente a atmosfera da Terra, chegando a composição atual – uma mistura de 21% de oxigênio e 78% de nitrogênio. A atmosfera além do nitrogênio e do oxigênio apresenta ainda o gás carbônico (0,03%), gases nobres e o vapor de água, que exerce um importante papel na regulação da ação do Sol.

A atmosfera apresenta-se como uma barreira natural que desempenha o papel de um filtro protetor para diversos tipos de radiações vindas do espaço. Ela impede que a maior parte das radiações ultravioletas (UV) cheguem a superfície terrestre, o que poderia causar vários danos aos seres vivos em geral. Uma das principais consequências pelo excesso de raios ultravioletas seria o aumento de câncer de pele nos seres humanos. Outras radiações que a atmosfera filtra são parte das radiações infravermelhas (IV), irradiadas pela superfície terrestre de volta para o espaço. Este processo só se torna possível, graças a presença, embora muito pequena, de vapor de água, ozônio e gás carbônico, que absorvem a radiação infravermelha emitida pelo solo e, por esse fato, percebe-se que tais gases influenciam de forma direta no controle da temperatura média da Terra.

Este fenômeno é o responsavel pelo efeito estufa natural, importante na manutenção da vida terrestre, pois garante temperaturas desejáveis para uma grande diversidade de seres vivos. Outra importante função da atmosfera consiste na atuação como um escudo protetor contra a ação de milhares de meteoros que constantemente entram nessa massa gasosa. Esses corpos celeste são destruídos devido a ação da alta temperatura presente em algumas camadas, como também, pelo atrito provocado contra as partículas do ar.

Camadas da atmosfera

A atmosfera terrestre é constituída por cinco camadas que apresentam características diferentes dependendo da temperatura e da altitude. A temperatura da atmosfera varia entre camadas em diferentes altitudes sendo, portanto, um dos parâmetros de classificação das próprias camadas. Os contatos entre elas são áreas de descontinuidade e possuem o sufixo “pausa”, após o nome da camada subjacente. Assim, por exemplo, a tropopausa é a camada de transição entre a troposfera e a estratosfera. Desta maneira, podemos nomear as seguintes camadas da atmosfera em: 

Troposfera: é a primeira camada terrestre, de baixo para cima, e se estende da superfície da Terra até a base da estratosfera. Ela possui uma altitude média de 11km, e contém cerca de 90% de toda a massa atmosférica. É tida como a mais importante em termos biológicos, pois nela vivem todos os seres vivos da Terra. Na Troposfera, à medida que aumenta a altitude, diminui a temperatura, chegando a -60º C, já nos limites da camada seguinte. Esta camada também é considerada importante porque nela ocorrem os fenômenos meteorológicos, tais como: ventos, furações, ciclones, nevascas, nuvens e chuvas. Desta maneira podemos afirmar que todos estes fenômenos ocorrem exclusivamente nesta camada.

Estratosfera: se caracteriza pelos movimentos de ar no sentido horizontal e fica localizada entre 7 até 50km de altitude aproximadamente, sendo a segunda camada da atmosfera, compreendida entre a troposfera e a mesosfera. Sua temperatura aumenta à medida que aumenta a altura (de -50º C a 10º C). A estratosfera apresenta muita estabilidade, devido o ar ser muito rarefeito e como consequência disso, não ocorre os fenômenos meteorológicos que se observam na Troposfera. É uma região calma e por esse motivo, é considerada a camada mais adequada para o tráfego aéreo. É nela que está localizada a camada de ozônio, que se estende entre 25 a 50km. O ozônio (O3) é o principal responsável pelo aquecimento da estratosfera, pois absorve os raios ultravioletas através de reações fotoquímicas, impedindo a passagem das radiações nocivas e, com isso, contribuindo para o crescimento da temperatura na camada. O ozônio ao desempenhar este papel torna-se um verdadeiro filtro solar da Terra, permitindo a vida no nosso planeta. Devido ao seu papel fundamental na garantia de existência na vida terrestre, a sua destruição é considerada como um dos maiores problemas ambientais deste século. Este problema veremos mais adiante em nosso estudo sobre a poluição do ar.

Mesosfera: mede cerca de 35km, indo de 50km de altitude, onde termina a estratosfera, até 85km. Dentre todas as camadas é a que apresenta as mais baixas temperaturas podendo chegar aos –100º C. As chamadas “estrelas cadentes” são objetos que, quando penetram na atmosfera terrestre, colidem com as moléculas de ar presentes na mesosfera.

Termosfera: se inicia a 85km de altitude se estendendo por cerca de 500km. A temperatura volta a crescer, e isso ocorre devido a alta concentração de partículas carregadas de eletricidade chamadas íons situadas numa determinada região da Termosfera. A região da termosfera cheia de íons é conhecida por Ionosfera e corresponde a parte inferior da Termosfera. Nessa região há uma grande absorção de radiação de ondas curtas (ultravioletas e raios x) o que leva a ionização dos elementos ali presentes e, assim, elétrons livres também, o que leva a criação do plasma ionosférico. Esse plasma pode refletir ondas de rádio utilizadas em radiodifusão.

Exosfera: é a parte superior da termosfera. Ela estende-se a partir de aproximadamente 550km. Devido a essa grande altitude, o ar se torna extremamente rarefeito de maneira que colisões entre moléculas é extremamente rara. É nesta região onde os satélites artificiais orbitam a Terra. Na Exosfera não há registro de absorção da radiação, por isso, ela não participa do processo de filtração seletiva da radiação, como a Estratosfera. A Exosfera seria uma fronteira entre a atmosfera da Terra e o espaço cósmico, onde não existe o ar.

MOVIMENTOS SOCIAIS: QUESTÕES CONCEITUAIS

Lua Nova: Revista de Cultura e Política

ISSN 0102-6445

Lua Nova  no.17 São Paulo June 1989


Um objetivo para os movimentos sociais?*


Alberto Melucci
Professor do Departamento de Política Social da Universidade dos Estudos de Trento, Itália

Esta é uma versão reduzida de um texto apresentado no Sixth Colloquium of EGOS (European Group for Organizational Studies) para o grupo de trabalho sobre "novos movimentos e mudança nas formas de organização", reunido pelo autor. O Colloquium foi realizado no Centro de Estudos do CISL, em Florença, de 3 a 5 de novembro de 1983, promovido com o auxílio do CNR (Consiglio Nazionale per le Ricerche) e co-patrocinado pelo Instituto Paolo Farnetti, da Universidade de Turim, que forneceu o apoio organizacional.

APÓS OS ANOS 70: UMA REAVALIAÇÃO TEÓRICA

Nos últimos vinte anos surgiram novas formas de ação coletiva em áreas anteriormente intocadas pelos conflitos sociais. A crise das estruturas políticas e conceituais frente a estes novos fenômenos tornou-se evidente nos anos 70, impulsionando uma ampliação do conhecimento empírico e uma redefinição das categorias analíticas.
A observação das sociedades complexas contemporâneas sugere que:
1. As novas formas de agregação social têm uma natureza permanente e não-conjuntural. Elas coexistem com outras categorias mais consolidadas (como as classes, grupos de interesse e associações) e, embora variem em suas formas empíricas, são um componente estável e irreversível dos sistemas sociais contemporâneos.
2. Uma função de socialização e de participação "submersa" é preenchida por estas novas formas de solidariedade conflitual, que abrem novos canais para o agrupamento e a seleção de elites. Os meios tradicionais de socialização política, de inovação cultural e de modernização institucional, em conseqüência disso, se redefiniram.
3. O controle da complexidade tem de se ocupar cada vez mais com a relação entre sistemas institucionais de representação e de tomadas de decisão e novas formas de ação. Estas não são facilmente adaptáveis aos canais existentes de participação e às formas tradicionais de organização política; além disso, seus resultados são difíceis de prever e isso aumenta o já alto grau de incerteza nestes sistemas.
Assim, uma discussão da estrutura teórica de analise não é só um exercício preliminar, mas uma condição para um entendimento satisfatório dos movimentos contemporâneos.
Hoje o momento parece apropriado para uma reavaliação da contribuição teórica dos anos 70 na área dos movimentos sociais. O legado da filosofia da história foi reconhecido, durante muitos anos, num certo dualismo. A ação coletiva era tratada ou como um efeito de crises estruturais ou contradições, ou como uma expressão de crenças e orientações compartilhadas. Estes pontos de vista impediram a consideração da ação como um sistema de relações. Os anos 70 tornaram possível uma resolução deste dilema teórico,
Uma primeira dualidade foi formulada em termos de isolamento/solidariedade (Tilly, 1975; Useem, 1980), A primeira abordagem (representada por teorias do comportamento coletivo e da sociedade de massa)1 considera a ação coletiva como um resultado da crise econômica e da desintegração social, particularmente entre os desamparados. A última considerava os movi mentos sociais como uma expressão de interesses partilhados dentro de uma situação estrutural comum (especialmente uma condição de classe, como em todas as abordagens derivadas do marxismo). As teorias do isolamento negligenciaram a dimensão do conflito dentro da ação coletiva e a reduziram à reação patológica e à marginalidade. Os modelos de solidariedade foram incapazes de explicar a passagem das condições sociais para a ação coletiva. O problema marxista clássico (como passar da condição de classe para a consciência de classe) ainda existe e não pode ser resolvido sem levar em consideração como um ator coletivo é formado e mantido.
Outra dualidade pode ser observada em termos de estrutura/motivação (Webb, 1983) — isto é, a ação coletiva vista como um produto da lógica do sistema, ou como um resultado de crenças pessoais. A ênfase estava, por um lado, no contexto socioeconômico, por outro, no papel da ideologia e dos valores.
Durante os anos 70 algumas teorias ultrapassaram as alternativas isolamento/solidariedade ou estrutura/motivação. Na Europa, autores como Touraine (1973, 1978) ou Habermas (1976) basearam suas análises numa abordagem "estrutural", sistêmica, que atribuía as novas formas de conflito e a formação de novos atores (além das lutas tradicionais na força de trabalho) às mudanças no capitalismo pós-industrial. Alguns teóricos americanos tentaram explicar como um movimento é constituído, se e como ele sobrevive no tempo e em relação a seus contextos, isto é, em termos de mobilização de recursos (McCarthy & Zald, 1973, 1977, 1979; Gamson, 1975; Oberschall, 1973; Tilly, 1978).2
No meu entender, seguindo de perto as teorias dos anos 70, os movimentos devem ser examinados não à luz das aparências ou da retórica, mas como sistemas de ação.3 Uma herança dos anos 70 é o que eu chamaria de um "paradigma cético" em relação aos movimentos sociais, pelo qual entendo que não se compreende a ação coletiva como uma "coisa" e não se valoriza inteiramente o que os movimentos dizem de si mesmos; tenta-se mais descobrir o sistema de relações internas e externas que constitui a ação.
Mas as teorias dos anos 70 também deixam dois problemas insolúveis. As teorias estruturais, baseadas na análise de sistemas, explicam por que mas não como um movimento se estabelece e mantém sua estrutura, ou seja, elas apenas hipotetizam sobre o conflito potencial sem considerar a ação coletiva concreta e os atores. Aqueles pesquisadores, por outro lado, que trabalham com um modelo de mobilização de recursos, vêem esta ação como meros dados e não conseguem examinar seu significado e orientação. Nesse caso, como mas não por quê. Os dois pontos de vista não são irreconciliáveis. Cada um deles é legítimo em seus limites, mas ambos, infelizmente, com freqüência e talvez implicitamente, são tomados como uma explicitação global.
Segue-se, portanto, que a análise se concentraria mais nas relações sistêmicas do que na simples lógica dos atores. Mas, ao mesmo tempo, a ação não pode ser analisada somente dentro das contradições estruturais. A ação tem de ser considerada como uma interação de objetivos, recursos e obstáculos, como uma orientação intencional que é estabelecida dentro de um sistema de oportunidades e coerções. Os movimentos são sistemas de ação que operam num campo sistêmico de possibilidades e limites. É por isso que a organização se torna um ponto crítico de observação, um nível analítico que não pode ser ignorado. O modo como os atores constituem sua ação é a conexão concreta entre orientações e oportunidades e coerções sistêmicas. Eu penso que nessa direção o legado dos anos 70 pode ser criativamente consolidado através de uma concentração na análise do como, sem negligenciar o porquê.4

SOBRECARGA POLÍTICA

Muitas contribuições recentes assumem uma abordagem sistêmica, orientada pela relação, para a ação coletiva, enfatizando mais as oportunidades e coerções do que as orientações subjetivas ou os fatores meramente objetivos. Este é o caso dos desenvolvimentos recentes na abordagem da mobilização de recursos (Garner & Zald, 1981) e de algumas análises sobre protesto (Marsh, 1977; Tarrow, 1982 e 1983; Webb, 1983a). O protesto é uma parte de um sistema de relações que inclui respostas do sistema político e a interação entre grupos de protesto e elites. O conceito de estrutura de oportunidade política (Tarrow) é relevante para a análise da ação coletiva como um sistema e não apenas como uma crença ou um conjunto de interesses "objetivos". Kriesberg (1981 e 1982) refere-se a um "paradigma de interação múltipla" que emerge dos estudos recentes sobre movimentos sociais. Estas contribuições, como parte de "uma área intelectual mais ampla,5 são inovações importantes, particularmente quando comparadas com os estudos americanos tradicionais, em que os movimentos sociais são, bastante freqüentemente, reduzidos às crenças ou ao comportamento de massa.
Elas também abriram o campo para pesquisas posteriores. Por exemplo, quando Tarrow hipotetiza uma conexão entre ciclos de protesto e ciclos de reforma, ele sugere que o protesto é mais uma função "fisiológica" estável em sociedades complexas do que uma manifestação de patologia social (como nos pontos de vista mais tradicionais). Em segundo lugar, a análise desta conexão pode fornecer uma base empírica para o ponto de vista tradicional, que é marxista na origem, ligando o conflito social à mudança.
Não obstante, as contribuições acima concentram a análise mais no nível político do que na "sociedade civil". Os conflitos sociais são reduzidos ao protesto político e vistos como parte de um sistema político. A confrontação com o sistema político e com o Estado é apenas um fator mais ou menos importante na ação coletiva. O conflito freqüentemente pode afetar o próprio modo de produção ou a vida cotidiana das pessoas. Os participantes na ação coletiva não são motivados apenas pelo que eu chamaria de uma orientação "econômica", calculando custos e benefícios da ação. Eles também estão buscando solidariedade e identidade (Pizzorno, 1983; Melucci, 1982), que, diferentemente de outros bens, não são mensuráveis e não podem ser calculados. Isso é particularmente verdadeiro para os movimentos dos anos 80. Eles se concentram nas necessidades de auto-realização, mas não numa orientação política, porque contestam a lógica do sistema nos campos culturais e na vida cotidiana das pessoas.6
Nos dois lados do Atlântico, o interesse atual na abordagem da mobilização de recursos e nas teorias de troca política (Pizzorno, 1977 e 1978) parece indicar um afastamento dos paradigmas anteriores baseados nos interesses de classe ou nos valores partilhados, que foram preponderantes até agora. Reflete também o clima cultural mutante; o problema de administrar a incerteza em sistemas complexos dá um papel central às dimensões políticas de ação. Mas este ponto de vista exagera a função da política, exatamente num momento em que os movimentos estão se deslocando para um terreno não político. Embora a relação entre sistemas políticos e movimentos sociais seja uma perspectiva analítica que é difícil de evitar em sociedades complexas, é uma perspectiva limitada. Os conflitos sociais contemporâneos não são apenas políticos, pois eles afetam o sistema como um todo. A ação coletiva não é realizada apenas a fim de trocar bens num mercado político e nem todo objetivo pode ser calculado. Os movimentos contemporâneos também têm uma orientação antagônica, que surge de e altera a lógica das sociedades complexas.
Mas estes diferentes pontos de vista não podem ser comparados sem tornar claro a que conceito de movimento social se está referindo.

O QUE É UM MOVIMENTO?

Como Tarrow apontou recentemente (Tarrow, 1983), o campo dos movimentos sociais é um dos mais indefiníveis que existem. Os movimentos são difíceis de definir conceitualmente e há várias abordagens que são difíceis de comparar. Os vários' autores tentam isolar alguns aspectos empíricos dos fenômenos coletivos, mas como cada autor acentua elementos diferentes, dificilmente se pode comparar definições. Infelizmente, estas são mais definições empíricas do que conceitos analíticos.
Tarrow, entretanto, ajuda a esclarecer uma distinção entre movimentos (como formas de opinião de massa), organizações de protesto (como formas de organizações sociais) e eventos de protesto (como formas de ação). Por não ser meramente descritiva, esta é uma distinção que serve para evitar a confusão entre os vários fatores, mas ela também não basta. No que diz respeito aos movimentos Tarrow segue a definição de Tilly (1978), que é um bom exemplo de uma generalização empírica: um movimento social é um fenômeno de opinião de massa lesada, mobilizada em contato com as autoridades. Semelhante movimento, Tarrow também admite, raramente atua de maneira concertada e sua existência deve ser inferida das atividades de organizações que reivindicam representá-lo (Tarrow, 1983: 5).
Mas como saber que existe um movimento atrás do protesto ativo? Aparentemente é uma presença metafísica atrás da cena, que é ocupada pelas organizações de protesto e pelos eventos de protesto. A abordagem de mobilização de recursos, assumindo uma definição empírica, parece chamar toda forma de ação política não-institucional como movimento social. A palavra "movimento" tem o perigo de se tornar sinônimo de tudo que muda na sociedade. O próprio conceito de protesto tem fracas bases analíticas. O protesto poderia ser definido como toda forma de denúncia de um grupo lesado? Como uma reação que rompe as regras estabelecidas? Como um confronto com as autoridades? Ou como tudo isso?
Estas proposições evidenciam a mesma falta de distinção entre uma generalização empírica e uma definição analítica. Como se diferenciar entre um tumulto antigovernamental de bêbados, uma greve sindical e uma ampla mobilização contra a política nuclear? Todos eles podem ser empiricamente considerados como protestos, mas cada um deles tem um significado e uma orientação significativamente diferentes. A definição de protesto como um comportamento disruptivo demonstra as impropriedades das generalizações empíricas. Tal definição implica um sistema de referência, um conjunto de limites ou fronteiras que são rompidas. De fato, aqueles que escrevem sobre o protesto fazem implicitamente referência ao sistema político. O único sistema possível de referência torna-se o confronto com as autoridades e a ação coletiva é simplesmente reduzida à ação política. Esta sobrecarga política, como já se destacou, é analiticamente sem base, particularmente quando referida aos movimentos contemporâneos.
É necessária uma mudança das definições empíricas para as analíticas. As linhas seguintes indicarão, se não uma solução satisfatória desse problema, uma direção em que a pesquisa poderia avançar.7
A abordagem atual dos movimentos sociais está baseada na suposição de que os fenômenos empíricos de ação coletiva são um objeto de análise que é unificado e significativo em si próprio e que pode dar, quase diretamente, explicações satisfatórias sobre as origens e a orientação de um movimento. Um movimento é visto (como diria um francês) como um personagem que atua na cena histórica com uma unidade de consciência e ação que está longe de se afastar da fragmentação atual e da pluralidade de um movimento social empírico. Os movimentos dispendem uma grande parte de seus recursos tentando manter sua unidade e conseguir uma certa homogeneidade com um campo social composto de vários elementos.
Ao considerar um movimento como um personagem, a análise ignora que a unidade é mais um resultado do que um ponto de partida; portanto, deve-se assumir que há uma espécie de "espírito" oculto do movimento, ao invés de considerá-lo como um sistema de relações sociais. Uma ação coletiva não pode ser explicada sem levar em conta como os recursos internos e externos são mobilizados, como as estruturas organizacionais são constituídas e mantidas, como as funções de liderança são garantidas. O que é empiricamente chamado de "movimento social" é um sistema de ação que liga orientações e significados plurais. Uma ação coletiva singular ou um evento de protesto, além disso, contêm tipos diferentes de comportamento e as análises têm de romper sua aparente unidade e descobrir os vários elementos nela convergentes e possivelmente tendo diferentes conseqüências.
O significado de uma ação coletiva depende, portanto, de seu sistema de referência e de suas dimensões analíticas. O mesmo comportamento empírico pode ser visto de maneiras diferentes, se ele se refere ou não a um sistema organizacional, a um sistema político, a um modo de produção (Melucci, 1977 e 1980). Ao usar o conflito, a solidariedade e o rompimento dos limites do sistema como dimensões analíticas básicas (Melucci, 1980, 1982 e 1983), diferenciei entre vários tipos de ação coletiva. Defino conflito como uma relação entre atores opostos, lutando pelos mesmos recursos aos quais ambos dão um valor. A solidariedade é a capacidade de os atores partilharem uma identidade coletiva (isto é, a capacidade de reconhecer e ser reconhecido como uma parte da mesma unidade social). Os limites de um sistema indicam o espectro de variações tolerado dentro de sua estrutura existente. Um rompimento destes limites empurra um sistema para além do espectro aceitável de variações.
Eu defino analiticamente um movimento social como uma forma de ação coletiva (a) baseada na solidariedade, (b) desenvolvendo um conflito, (c) rompendo os limites do sistema em que ocorre a ação. Estas dimensões permitem que os movimentos sociais sejam separados dos outros fenômenos coletivos (delinqüência, reivindicações organizadas, comportamento agregado de massa) que são, com muita freqüência, empiricamente associados com "movimentos" e "protesto". Além disso, os diferentes tipos de movimentos podem ser avaliados de acordo com o sistema de referência da ação (Melucci, 1980, 1982 e 1983). O que nós costumeiramente chamamos de movimento social muitas vezes contém uma pluralidade destes elementos e devemos ser capazes de distingui-los se quisermos entender o resultado de uma dada ação coletiva.
A delinqüência pode ser tratada, as reivindicações podem ser negociadas, mas o comportamento antagônico não pode ser inteiramente integrado. As lutas podem produzir algumas mudanças na política, mas com muita freqüência o conflito reaparece em outras áreas da estrutura social. Ao se distinguir estes significados diferentes na ação coletiva, duas deficiências ideológicas atuais podem ser evitadas. Por um lado, os movimentos tendem a enfatizar o significado geral, "mais superior" de sua ação e proclamam ter uma unidade que muito freqüentemente não existe. Por outro lado, aqueles no poder tendem a acentuar o significado "mais inferior" da ação coletiva e a reduzi-la à patologia social ou ao comportamento agregado.

A ESFERA DE AÇÃO DOS MOVIMENTOS CONTEMPORÂNEOS

Hoje podemos observar a formação de uma nova esfera de conflitos, que pertence especificamente às sociedades capitalistas pós-industriais, complexas ou avançadas. (De que maneira podemos chamar nossas sociedades? Este é um sintoma interessante do impasse atual.)
O desenvolvimento capitalista não pode mais ser assegurado pelo simples controle da força de trabalho e pela transformação dos recursos naturais para o mercado. Ele requer uma intervenção crescente nas relações sociais, nos sistemas simbólicos, na identidade individual e nas necessidades. As sociedades complexas não têm mais uma base "econômica", elas produzem por uma integração crescente das estruturas econômicas, políticas e culturais. Os bens "materiais" são produzidos e consumidos com a mediação dos gigantescos sistemas informacionais e simbólicos.
Os conflitos sociais saem do tradicional sistema econômico-industrial para as áreas culturais: eles afetam a identidade pessoal, o tempo e o espaço na vida cotidiana, a motivação e os padrões culturais da ação individual. Os conflitos revelam uma mudança maior na estrutura dos sistemas complexos e novas contradições aparecem, afetando sua lógica fundamental. Por um lado, sistemas altamente diferenciados produzem cada vez mais e distribuem recursos pela individualização, pela auto-realização, por uma construção autônoma das identidades pessoais e coletivas. E isso é porque os sistemas complexos são sistemas informacionais e não podem sobreviver sem assumir uma certa capacidade autônoma nos elementos individuais, que têm de ser capazes de produzir e receber informação. Conseqüentemente, o sistema deve aperfeiçoar a autonomia dos indivíduos e grupos e sua capacidade para se tornarem terminais efetivos de redes informacionais complexas.
Por outro lado, estes sistemas precisam cada vez mais de integração. Eles têm de estender seu controle sobre os mesmos recursos fundamentais que permitem seu funcionamento, se quiserem sobreviver. O poder deve afetar a vida cotidiana, a motivação profunda da ação individual dever ser manipulada, o processo pelo qual as pessoas dão significado às coisas e as suas ações deve estar sob controle. Pode-se falar de "poder microfísico" (Foucault, 1977) ou de uma mudança na ação social de uma natureza externa para "interna" (Habermas, 1976).
Os conflitos dos anos 80 revelam estas novas contradições e implicam uma intensa redefinição da situação dos movimentos sociais e de suas formas de ação. Eles envolvem grupos sociais mais diretamente afetados pelos processos delineados acima. Eles surgem naquelas áreas do sistema que estão ligados aos investimentos informacionais e simbólicos mais intensivos e expostos às pressões maiores pela conformidade. Os atores nestes conflitos não são mais distintos pela classe social, como grupos estáveis definidos por uma condição social e uma cultura específicas (como a classe trabalhadora o era durante a industrialização capitalista).
Os atores nos conflitos são cada vez mais temporários e sua função é revelar os projetos, anunciar para a sociedade que existe um problema fundamental numa dada área. Eles têm uma crescente função simbólica, pode-se talvez falar de uma função profética. Eles são uma espécie de nova mídia (Marx & Holzner, 1977; Sassoon, 1984). Eles não lutam meramente por bens materiais ou para aumentar sua participação no sistema. Eles lutam por projetos simbólicos e culturais, por um significado e uma orientação diferentes da ação social. Eles tentam mudar as vidas das pessoas, acreditam que a gente pode mudar nossa vida cotidiana quando lutamos por mudanças mais gerais na sociedade.8
Porque apreende um movimento apenas como um dado ator empírico, a teoria da mobilização de recursos é incapaz de explicar o significado destas formas contemporâneas de ação. A esfera de ação dos novos conflitos sociais é criada pelo sistema e por suas exigências contraditórias. A ativação de resultados específicos depende mais de fatores históricos e conjunturais. Os conflitos empíricos específicos são desenvolvidos por diferentes grupos que convergem na esfera de ação fornecida pelo sistema. A esfera de ação e os projetos dos conflitos antagônicos devem, portanto, ser definidos no nível sincrônico do sistema. Os atores, ao contrário, podem ser definidos apenas levando em conta fatores diacrônicos e conjunturais, particularmente no funcionamento do sistema político. A teoria da mobilização de recursos pode ajudar no entendimento de como diferentes elementos convergem para ativar ações coletivas específicas, mas não pode explicar por que a ação surge e para onde vai.
Dois conjuntos de questões parecem, portanto, ser relevantes:
a) Como os atores coletivos administram seus recursos a fim de manter e desenvolver sua ação? Como eles interagem com seu ambiente, particularmente com os sistemas políticos?
b) Qual é a situação sistêmica e a orientação de um movimento?
Com muita freqüência as análises dos movimentos contemporâneos, principalmente aquelas em termos de mobilização de recursos, respondem à primeira questão, mas fazem afirmações implícitas sobre a segunda. Elas evitam o nível macro (que é o domínio típico dos teóricos europeus), mas de fato tendem a reduzir toda ação coletiva ao nível político. É por isso que elas omitem a novidade e o conteúdo específico dos movimentos sociais emergentes.

O PADRÃO ORGANIZACIONAL

Podemos ainda falar de "movimentos" quando nos referimos aos fenômenos sociais recentes? Eu preferiria falar de redes de movimento ou de áreas de movimento, isto é, uma rede de grupos partilhando uma cultura de movimento e uma identidade coletiva (Reynaud, 1982). Este conceito não está distante do de indústria de movimento social de Zald (McCarthy & Zald, 1977) — como o conjunto de organizações orientado para a mesma espécie de mudança social — e do seu mais recente setor de movimento social (Garner & Zald, 1981), que inclui todo tipo de ações orientadas para os objetivos dos movimentos. Minha definição inclui não apenas as organizações "formais", mas também a rede de relações "informais" que conectam núcleos de indivíduos e grupos a uma área de participantes mais ampla.
O surgimento destes conceitos indica que os movimentos sociais estão mudando suas formas organizacionais, que estão se tornando completamente diferentes das organizações políticas tradicionais. Além disso, eles estão adquirindo autonomia crescente em relação aos sistemas políticos; como um subsistema específico, criou-se um espaço próprio para a ação coletiva nas sociedades complexas. Ele se torna o ponto de convergência de formas de comportamento diferentes que o sistema não pode integrar (incluindo não só orientações conflitantes, mas também comportamento desviante, inovação cultural etc).
A situação normal do "movimento" hoje é ser uma rede de pequenos grupos imersos na vida cotidiana que requerem um envolvimento pessoal na experimentação e na prática da inovação cultural. Eles surgem apenas para fins específicos, como, por exemplo, as grandes mobilizações pela paz, pelo aborto, contra a política nuclear etc. A rede submersa, embora composta de pequenos grupos separados, é um sistema de troca (pessoas e informações circulando ao longo da rede, algumas agências, como rádios livres locais, livrarias, revistas que fornecem uma determinada unidade).
Estas redes (descritas primeiramente por Gerlach & Hine, 1970) têm as seguintes características: a) elas permitem associação múltipla; b) a militância é apenas parcial e de curta duração; c) o envolvimento pessoal e a solidariedade afetiva é requerida como uma condição para a participação em muitos dos grupos. Este não é um fenômeno temporário, mas uma alteração morfológica na estrutura da ação coletiva.
Pode-se falar de um modelo bipolar: latência e visibilidade têm duas funções diferentes. A latência permite que as pessoas experimentem diretamente novos modelos culturais — uma mudança no sistema de significados — que, com muita freqüência, é oposta às pressões sociais dominantes: o significado de diferenças sexuais, de tempo e espaço, de relação com a natureza, com o corpo, e assim por diante. A latência cria novos códigos culturais e faz com que os indivíduos os pratiquem. Quando pequenos grupos surgem para enfrentar uma autoridade política numa decisão específica, a visibilidade demonstra a oposição à lógica que leva à tomada de decisão com relação à política pública. Ao mesmo tempo, a mobilização pública indica ao resto da sociedade que o problema específico está ligado à lógica geral do sistema e também que modelos culturais alternativos são possíveis.
Estes dois pólos, visibilidade e latência, são reciprocamente correlacionados. A latência permite a visibilidade por alimentar o primeiro com recursos de solidariedade e com uma estrutura cultural para a mobilização. A visibilidade reforça as redes submersas. Fornece energia para renovar a solidariedade, facilita a criação de novos grupos e o recrutamento de novos militantes atraídos pela mobilização pública que então flui na rede submersa.
A nova forma organizacional dos movimentos contemporâneos não é exatamente "instrumental" para seus objetivos. É um objetivo em si mesma. Como a ação está focalizada nos códigos culturais, a forma do movimento é uma mensagem, um desafio simbólico aos padrões dominantes. Compromisso de curta duração e reversível, liderança múltipla aberta ao desafio, estruturas organizacionais temporárias e ad hoc são as bases para a identidade coletiva interna, mas também para um confronto simbólico com o sistema. Às pessoas é oferecida a possibilidade de outra experiência de tempo, espaço, relações interpessoais, que se opõe à racionalidade operacional dos aparatos. Uma maneira diferente de nomear o mundo repentinamente reverte os códigos dominantes.
O meio, o próprio movimento como um novo meio, é a mensagem. Como profetas sem encantamento, os movimentos contemporâneos praticam no presente a mudança pela qual eles estão lutando: eles redefinem o significado da ação social para o conjunto da sociedade.

O RESULTADO E SISTEMAS POLÍTICOS

Como o resultado dos movimentos contemporâneos pode ser medido? Pode-se falar de seu êxito ou fracasso?
O modelo delineado sugere que, paradoxalmente, os movimentos são tanto vencedores como não-vencedores: porque o desafio afeta os códigos culturais, a mera existência de um movimento é uma reversão dos sistemas simbólicos dominantes. Para estes movimentos, o êxito ou o fracasso são, estritamente falando, conceitos sem significado. Mas não é assim de um ponto de vista político.
Os movimentos produzem a modernização, estimulam a inovação e impulsionam a reforma. Aqui seu resultado pode ser medido. Mas não se deve esquecer que isto é apenas uma parte e nem sempre a mais importante da ação coletiva contemporânea.
O movimento de mulheres fornece um bom exemplo desta situação. Uma revisão da literatura recente mostra a excessiva ênfase colocada pelos analistas nos aspectos organizacionais e no que eu chamaria de resultado de igualdade.9 O objetivo do movimento não é apenas a igualdade de direitos, mas mais o direito de ser diferente.A luta contra a discriminação, por uma distribuição mais igualitária no mercado econômico e político é ainda uma luta pela cidadania. O direito de ser reconhecido como diferente é uma das mais profundas necessidades na sociedade pós-industrial ou pós-material.
Ser reconhecida como uma mulher é afirmar uma experiência diferente, uma percepção diferente da realidade, enraizada em "outro" corpo, numa maneira específica de se relacionar com a pessoa. O movimento de mulheres, quando fala de diferença, fala para o conjunto da sociedade e não apenas para as mulheres. Para as sociedades que desenvolvem uma pressão crescente pela conformidade, esta reivindicação tem efeitos disruptivos, desafia a lógica do sistema e tem uma orientação antagonista.
O resultado político do movimento de mulheres em termos de igualdade permite que a diferença seja reconhecida. Mas o "êxito" no campo político enfraquece o movimento, aumenta sua segmentação, leva alguns grupos à profissionalização e à burocratização, e outros a um sectarismo disruptivo. A mensagem da diferença, entretanto, não morre. Torna-se um objetivo cultural e político que mobiliza muitos outros grupos.
Este exemplo aponta para outro problema crítico das sociedades complexas: ou seja, a relação entre organizações políticas, particularmente aquelas com uma tradição marxista, e os padrões emergentes de ação coletiva. Que espécie de representação poderia oferecer efetividade política aos movimentos sem reduzi-los ao papel de correia de transmissão leninista?
As mobilizações dos anos 80 mostram que na passagem da latência para a visibilidade uma função é desenvolvida pelas organizações de proteção, que fornecem recursos financeiros e organizacionais para campanhas públicas sobre decisões específicas, embora reconhecendo a autonomia das redes submersas. Talvez um novo espaço político esteja designado além da distinção tradicional entre Estado e "sociedade civil": um espaço público intermediário, cuja função não é institucionalizar os movimentos, nem transformá-los em partidos, mas fazer a sociedade ouvir suas mensagens e traduzir suas reivindicações na tomada de decisão política, enquanto os movimentos mantêm sua autonomia.
A utopia leninista era transformar um movimento num poder. A evidência do que é eufemisticamente chamado de "socialismo real" demonstra as trágicas conseqüências desta utopia. Reivindicações conflituais e poder não podem ser mantidos pelos mesmos atores. Uma sociedade aberta, mesmo uma sociedade "socialista", é uma sociedade que pode aceitar a coexistência de um poder criativo e de conflitos sociais ativos sem entrar em colapso.

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* Tradução de Suely Bastos. 
1 Ver especialmente Smelser (1963); Kornhauser (1959). 
2 Para urna revisão e discussão da abordagem de mobilização de recursos, ver Jenkins (1983) e Freeman (1983). 
3 Este conceito é derivado de diferentes estruturas teóricas (cf. Touraine, 1973; Crozier & Friedberg, 1977; Coleman, 1975). 
4 Esta foi a proposta de uma pesquisa empírica mais ampla sobre novas formas de ação coletiva (juventude, mulheres, ambientalistas, novas religiões) na área metropolitana de Milão, resultados da qual podem ser encontrados em Melucci (1984). (Ver também Donati, 1984 e Sassoon, 1984.) 
5 Uma análise dos movimentos sociais que levam em conta a interação sistêmica e as respostas do sistema político é também proposta por Ergas (1981 e 1983); Wilson (1977); Delia Porta (1983). 
6 Utilizei a expressão "movimentos pós-políticos" (Melucci, 1982). Offe (1983) fala de "paradigma metapolítico" dos movimentos contemporâneos. 
7 Para um desenvolvimento mais amplo, ver Melucci (1980, 1982 e 1983). 
8 Uma discussão destes tópicos, ligando-os às mudanças gerais nas sociedades pós-industriais, está proposta ern Melucci (1981 e 1981a). 
9 Ver, por exemplo, Freeman (1975) e Gelb (1982). Para uma análise dos movimentos sociais em termos de êxito e fracasso, ver também Fox Píven & Cloward (1977).
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